Cientistas descobrem como o estresse leva ao acúmulo de gordura abdominal.
Quem não gosta de uma boa desculpa para justificar o acúmulo de gordura na cintura? Na maioria dos casos, os pneuzinhos que não param de crescer nada mais são que o resultado de uma equação simples: comida demais e atividade física de menos. Quando ingerimos mais calorias do que gastamos, o excesso de energia se acumula no corpo em forma de tecido adiposo (sim, gordura). Segundo novas pesquisas, no entanto, há um outro fator que contribui para o ganho de peso: o estresse. Já ouviu desculpa melhor?
Um estudo publicado na revista Nature Medicine desvenda como o estresse faz engordar. E ainda aponta uma forma promissora de remover a gordura localizada. Os resultados surpreenderam os especialistas. Muitos acreditam que essa linha de pesquisa terá grande impacto no desenvolvimento de novos tratamentos de emagrecimento e até de cirurgias estéticas. Será que teremos em breve um novo tipo de lipoaspiração, mais eficaz e menos traumática? O que significam as descobertas para quem quer emagrecer?
Havia muito tempo os cientistas suspeitavam existir uma relação entre estresse e ganho de peso. Mas não conseguiam desvendá-la. Os pesquisadores da Universidade Georgetown, em Washington, foram além. Descobriram um mecanismo químico que pode explicar por que estressados crônicos engordam muito mais que o esperado. Gente que não ingere uma quantidade absurda de calorias e mesmo assim leva um susto toda vez que sobe numa balança.
A explicação para esse fenômeno pode estar nos neurotransmissores, hormônios que permitem a comunicação entre os diferentes tipos de neurônios. Os cientistas trabalharam com um neurotransmissor chamado NPY e o receptor ativado por ele. Essas substâncias atuam em dois tipos de células do tecido adiposo: as células de gordura propriamente ditas e as células dos vasos sanguíneos que as alimentam.
Os pesquisadores descobriram que o estresse faz o corpo liberar NPY em excesso. Isso provoca uma cascata de eventos bioquímicos cujo resultado é indisfarçável: aquela massa de gordura (ops, tecido adiposo) na cintura. O problema não é apenas estético. Vários estudos demonstram que grandes depósitos de gordura na região abdominal – aqueles que fazem o tronco adquirir a forma arredondada de uma maçã – elevam o risco de diabetes e doenças cardiovasculares. Daí a importância do novo estudo. “Uma grande lacuna no conhecimento sobre como o estresse crônico leva à obesidade abdominal acaba de ser preenchida”, afirma Mary F. Dallman, da Universidade da Califórnia, no editorial que acompanha a publicação do estudo. “Esses resultados terão profundas implicações no desenvolvimento de novas drogas.”
Os cientistas conseguiram criar gordura em pontos específicos do corpo dos camundongos apenas injetando NPY nessas regiões. E os efeitos negativos da gordura não demoraram a aparecer: intolerância à glicose, hipertensão, vasos sanguíneos inflamados, aumento de gordura no fígado e nos músculos.
Os pesquisadores conseguiram também remover a gordura e evitar a síndrome metabólica ao injetar uma substância capaz de bloquear a ação do receptor de NPY. “Não acreditávamos que seria possível remodelar a gordura dessa forma”, diz a líder da pesquisa, Zofia Zukowska, do Departamento de Fisiologia e Biofísica da Universidade Georgetown. “Mas os diferentes experimentos que realizamos nos últimos quatro anos comprovaram que isso é possível, pelo menos em camundongos.” Em apenas duas semanas, os depósitos de gordura foram reduzidos pela metade. “O implante fez a gordura simplesmente derreter”, afirma. Acontecerá o mesmo em humanos? A equipe acha possível. Tanto o neurotransmissor quanto o receptor relacionados à gordura são muito semelhantes em camundongos, macacos e humanos.
Mudanças na rotina que reduzam o estresse poderiam, em tese, gerar efeitos semelhantes. As situações estressantes vividas pelos animais durante o experimento também são comparáveis às enfrentadas pelos humanos no dia-a-dia. Alguns camundongos passavam uma hora num tanque de água fria durante duas semanas, o equivalente a esperar um ônibus com os pés molhados durante o inverno europeu. Outros tinham de dividir a gaiola com um macho alfa, aquele tipo de animal que fica agressivo quando invadem seu território. Mais ou menos o comportamento que se pode esperar de um chefe dominador e onipotente.
Relaxar e gozar pode ajudar a perder centímetros na cintura
O resultado da pressão crônica foi avaliado em conjunto com uma dieta normal e com uma dieta gordurosa. Os animais estressados que se alimentaram corretamente não engordaram. Os estressados submetidos à dieta hipercalórica engordaram muito mais que o esperado. Os pesquisadores concluíram que a substância NPY atua no tecido gorduroso – e não no cérebro – e que os estressados processam a comida de forma diferente.
Segundo Zofia, esse mecanismo pode ser mais bem compreendido quando pensamos nas vantagens evolutivas garantidas por ele. “Quem pudesse estocar gordura e transformá-la em energia quando precisasse lutar ou fugir tinha mais chance de sobrevivência”, diz. Hoje, a humanidade vive confortavelmente, com comida de sobra e sem ter de enfrentar feras pelo caminho. O mecanismo que leva ao acúmulo de gordura, no entanto, permanece o mesmo desde o tempo das cavernas.
As pesquisas podem representar uma contribuição para o combate da obesidade – um dos mais sérios problemas de saúde pública nos Estados Unidos e no Brasil. É possível, porém, que as primeiras aplicações dessa descoberta ocorram na área dos tratamentos cosméticos e da cirurgia plástica. “Esse estudo pode levar a uma forma segura e eficiente de eliminar gordura sem cirurgia”, diz um dos autores do trabalho, o cirurgião plástico Stephen Baker, da mesma instituição. O grupo pretende começar a testar a técnica em pacientes nos próximos dois anos. Seria uma ótima notícia para os brasileiros, que se submetem a 200 mil lipoaspirações por ano.
A estratégia pode ser útil também como um novo método de implante de gordura, e não apenas como um recurso para eliminá-la. Poderia dar origem a novos preenchedores para amenizar rugas ou tornar os lábios mais carnudos, por exemplo. Ou ainda a próteses para aumentar os seios e o bumbum. “Com injeções como as utilizadas nos ratinhos poderíamos criar implantes baratos, biocompatíveis e com efeitos totalmente previsíveis”, afirma Baker. São muitas as perspectivas. De concreto, por enquanto, fica uma recomendação preciosa para situações de estresse: relaxar e gozar pode ajudar a perder centímetros na cintura.
Fonte: Revista Época