por Arthur Kaufman
Psiquiatria
O alimento é um condutor de afeto. Isso acontece desde que a mãe alimenta seu filho recém-nascido até um grande número de situações que acontecem durante toda a vida. O problema é quando o alimento substitui os afetos, as rejeições, os confrontos, ou seja: a pessoa come para evitar situações complicadas e desagradáveis.
O encantamento associado à prisão através da comida aparece já em histórias infantis, como “Joãozinho e Maria”, onde os heróis, abandonados pelos pais, são seduzidos através dos doces pela bruxa (que pode ser interpretada pelas crianças como símbolo da mãe perversa, que não cuida); são anestesiados pelo açúcar e podem ser devorados pela “mãe má”, embora pensem que estão sendo cuidados (e todo dia a bruxa pede para “ver o dedinho”). A comida é também usada como forma de sedução, como no caso das “tortas” da Vovó Donalda, tia do Pato Donald.
Parentes, namorados, cônjuges e amigos desempenham, muitas vezes – até sem querer – o papel de sabotadores da dieta. Para algumas mães, a filha gordinha pode representar uma permanência mais demorada na infância, o que, simbolicamente, significaria uma juventude mais prolongada (ou envelhecimento mais retardado) para a mãe.
Já no casamento é comum engordar para manter o marido à distância e evitar o sexo; isto, curiosamente, não acontece nos casamentos mais infelizes (onde é mais fácil dizer “não!” e os maridos também já não estão interessados em sexo) – mas nos casamentos medianamente infelizes, onde a estabilidade da relação parece ser mais importante do que o amor-próprio e do que o próprio corpo. É principalmente nestas mulheres – desassistidas afetiva e sexualmente – que podemos observar como o lado feminino erótico e lúdico fica compactado dentro da gordura e da excessiva massa corporal.
Às vezes, o peso da mulher é o principal assunto de sua vida conjugal. Pode até acontecer de ela não emagrecer como forma de demonstrar resistência à vontade do marido. É claro que seu corpo se transforma num campo de batalha, mas ela parece estar querendo se convencer de que é melhor ser “gorda e independente” do que “magra e submissa”.
Os maridos podem exercer um importante papel na manutenção da obesidade da mulher. Uma das maneiras é estar constantemente solicitando que ela emagreça, embora o resultado é fazer com que a mulher se sinta ofendida e rejeitada. Outra forma é jogar diretas ou indiretas, onde são feitas comparações com outras mulheres; pode acontecer de a esposa se sentir tão culpada que até justifique o fato de ele ter uma amante “magra”.
Há maridos cuja especialidade é a “dupla mensagem”: eles enviam simultaneamente mensagens contraditórias entre si, de modo que qualquer resposta estará incorreta. Um exemplo freqüente de dupla mensagem é dar a entender à esposa que deseja vê-la magra e estar constantemente comprando bombons para ela, ou convidando-a para comer pizza.
O marido também boicota o regime da mulher quando obtém benefícios secundários da obesidade desta. Os motivos são vários, desde o medo da infidelidade dela (caso fique magra) – levando a ciúmes, suspeitas e ataques – passando pela falta de interesse sexual (onde a gordura é “culpada”) e chegando até a própria obesidade masculina (ele se sentiria desmoralizado e menos atraente sexualmente se apenas ela emagrecesse).
Fonte: Globo.com